COORDENAO GERAL
Celso Fernandes Campilongo
Alvaro de Azevedo Gonzaga
Andr Luiz Freire
ENCICLOPDIA JURDICA DA PUCSP
TOMO 1
TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO
COORDENAO DO TOMO 2
Celso Fernandes Campilongo
Alvaro de Azevedo Gonzaga
Andr Luiz Freire
ENCICLOPDIA JURDICA DA PUCSP TEORIA GERAL E FILOSOFIA DODIREITO
1
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA
DE SO PAULO
FACULDADE DE DIREITO
DIRETOR
Pedro Paulo Teixeira Manus
DIRETOR ADJUNTO
Vidal Serrano Nunes Jnior
ENCICLOPDIA JURDICA DA PUCSP | ISBN 978-85-60453-35-1
CONSELHO EDITORIAL
Celso Antnio Bandeira de Mello
Elizabeth Nazar Carrazza
Fbio Ulhoa Coelho
Fernando Menezes de Almeida
Guilherme Nucci
Jos Manoel de Arruda Alvim
Luiz Alberto David Arajo
Luiz Edson Fachin
Marco Antonio Marques da Silva
Maria Helena Diniz
Nelson Nery Jnior
Oswaldo Duek Marques
Paulo de Barros Carvalho
Ronaldo Porto Macedo Jnior
Roque Antonio Carrazza
Rosa Maria de Andrade Nery
Rui da Cunha Martins
Tercio Sampaio Ferraz Junior
Teresa Celina de Arruda Alvim
Wagner Balera
TOMO DE TEORIA GERAL E FILOSOFIA DO DIREITO | ISBN978-85-60453-36-8
Enciclopdia Jurdica da PUCSP, tomo I (recurso eletrnico)
: teoria geral e filosofia do direito / coords. Celso FernandesCampilongo, Alvaro Gonzaga, Andr Luiz Freire - So Paulo: PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo, 2017
Recurso eletrnico World Wide Web Bibliografia. O ProjetoEnciclopdia Jurdica da PUCSP prope a elaborao de dez tomos.
1.Direito - Enciclopdia. I. Campilongo, Celso Fernandes. II.Gonzaga, Alvaro. III. Freire,
Andr Luiz. IV. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.
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TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO
Alvaro de Azevedo Gonzaga
Nathaly Campitelli Roque
INTRODUO
A Teoria Tridimensional do Direito, no Brasil mais conhecidapelo seu
formulador original, mas no exclusivo, o professor Miguel Reale,foi concebida como
uma proposta de construo do pensamento jurdico e uma dasprincipais inovaes no
estudo e compreenso deste fenmeno.
Conforme proposta pelo professor Reale, a teoria correlacionatrs fatores
interdependentes que fazem do Direito uma estrutura socialaxiolgico-normativa. Esses
trs elementos so: fato, valor e norma. Importa, desde logo,afirmar que esses trs
elementos devem estar sempre referidos ao plano cultural dasociedade onde se
apresentam.
Na ptica tridimensional fato, valor e norma so dimensesessenciais do
Direito, o qual , desse modo, insuscetvel de ser partido emfatias, sob pena de
comprometer-se a natureza especificamente jurdica dapesquisa.
buscada, na Teoria Tridimensional do Direito elaborada peloprofessor Reale,
a unidade do fenmeno jurdico, no plano histrico-cultural, sem oemprego de teorias
unilaterais ou reducionistas, que separam os elementos dofenmeno jurdico (fato, valor
e norma).
Veja-se, portanto, no decorrer desta exposio, o desenvolvimento,os tipos e a
profundidade da proposta do professor Miguel Reale, que apesarde ser uma proposta para
se observar, indagar e pensar o fenmeno do Direito, impressionapela sempre atualidade
e capacidade de possibilitar uma interpretao correta darealidade jurdica.
SUMRIO
Introduo.........................................................................................................................2
1. Por que fato, valor e norma?...................................................................................3
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3
2. As teorias monistas e os tipos de tridimensionalismo............................................. 5
2.1. O tridimensionalismo abstrato ou genrico................................................. 8
2.2. O tridimensionalismo especfico de Miguel Reale..................................... 8
2.2.1. Fato, valor e norma no tridimensionalismo especfico.................. 11
2.2.2. A questo do poder na nomognese jurdica................................. 13
3. Concluso..............................................................................................................19
Referncias.....................................................................................................................20
1. POR QUE FATO, VALOR E NORMA?
Como se disse, a correlao fato, valor e norma a base daTeoria
Tridimensional do Direito. Mas por que o homem, na anlisefenomenolgica da
experincia jurdica, atribui-lhe essa estruturatridimensional?
Para responder a essa pergunta, importante voltar a ateno a comoo homem
viveu inicialmente o Direito.
Ensina o professor Miguel Reale1 que lcito conjecturar que ohomem tenha
vivido o Direito como experincia, realizando-o como fato social,sempre relacionado
religio e aos mitos de determinada cultura, pois o Direitofenmeno ligado vida social
do homem. Inicialmente, portanto, no havia conscincia clara edistinta dos fatos
jurdicos que habilitassem o Direito a tornar-se uma cinciaautnoma.
A ordem do cosmos o homem relacionava a ordem de seu prpriomundo, de
suas prprias relaes sociais, de seus atos, de seuscomportamentos.
O momento decisivo, segundo o professor Reale, surge quando osFatos
comeam a ter significado percebido no plano da conscincia. Antesdesse primeiro
momento importantssimo para a habilitao do Direito categoria decincia, este
possua seu contedo ftico obliterado por aquilo que o professorMiguel Reale denomina
Direito como contedo de estimativa, ou seja, Direito ligado aosentimento do justo,
1 REALE, Miguel. Filosofia do direito, pp. 499 e ss.
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revelado em expresses irracionais.2
A segunda intuio do homem, com relao ao plano ftico, seria a daordem
social em que o Direito estaria inserido, ainda carente deformao organizada do Poder,
permeada de valores os mais diversos possveis, inseparveis damoral social. A esses
valores, o homem reagiria de modo a hipostasi-los, ou seja,projet-los para fora de si e
transform-los em entidades por si subsistentes.3
Como fato, o Direito s ser investigado metodicamente na pocamoderna,
genericamente com os trabalhos de Maquiavel, Jean Bodin, ThomasHobbes,
Montesquieu e, mais especificamente, com os trabalhossociolgicos e histricos do
sculo XX.
O terceiro momento de percepo do fenmeno jurdico aquele que oprofessor
Miguel Reale designa por Intuio Normativa do Direito.4 Nessafase, o Direito teria sido
visto como norma, como lex, momento influenciado principalmentepelo Direito
Romano5 que a seu tempo constri o Direito como ordem normativa,como indagao da
experincia concreta do justo.6
Exemplo disso, o brocardo ex fato oritur jus, deve serinterpretado, na lio do
professor Miguel Reale, como o encontro ideal do justo com ofato concreto, que lhe
condio. Essa ligao de justo com fato, de Justia e Direito, queperfaziam o todo da
experincia jurdica, era designado com a expresso regula juris,medida de ligao.
Da palavra Regula herda-se hoje duas outras palavras igualmenteesclarecedoras
desse liame fato, valor e norma: rgua, como segmento de direo noplano fsico; e regra,
2 REALE, Miguel. Filosofia do direito, p.501. 3 Assim, porexemplo, Tmis e Dik foram as personificaes dos elementos quegovernam a vida social. Desse modo, o Direito expressa-seinicialmente possuidor de natureza mtica ou religiosa. 4 REALE,Miguel. Op. cit, p. 507. 5 CUNHA, Paulo Ferreira da; et al. Histriado direito: do direito romano constituio europeia, p. 127. Ensina oautor que a lei, regula, no o Direito, mas uma decantao deste, suatraduo verbal, podendo ou no ser escrita. Deriva do Direito e neledeve se espelhar e no o contrrio. Deve versar sobre matriasrelevantes para a cidade e no ser usada para dar ordens da parte dosoberano. Caracterstica interna: deve ser justa (lex iniusta nonest lex) uma vez que j lembra So Toms de Aquino que deve-seresistir s leis injustas Suma Teolgica, II II, q. 60, art. 5. 6COMPARATO, Fbio Konder. tica: direito, moral e religio no mundomoderno, p. 120 e ss. Iniciadas as conquistas romanas, tornou-senecessrio um direito universal e flexvel, com o mnimo deformalismos possveis e com o mnimo de regionalismos a fim de regeras relaes comerciais entre Roma e os outros povos, e entre oscidados romanos entre si e entre estes e os provincianos, por issoo direito construiu-se por intensa atividade dos pretores romanos,construindo-se caso a caso, sendo o direito legislado excepcional edestinado a assuntos relevantes (o que difere em muito dahemorragia legiferante atual), formalismo ritual dos atos jurdicose das aes judiciais.
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como sentido de direo no plano tico. O Jurista indaga a ratio dedeterminada
circunstncia a fim de estabelecer sua rgula, sua medida.7 Umadetermina a outra.
Assim sendo, por que fato, valor e norma? Porque onde quer quese encontre a
experincia jurdica haver um fato como condio da conduta, queliga sujeitos entre si;
haver o valor como intuio primordial, que avaliar o fato; havera norma, que a
medida de concreo do valioso no plano da conduta social.
2. AS TEORIAS MONISTAS E OS TIPOS DE TRIDIMENSIONALISMO
As perspectivas tridimensionalistas do Direito podem serdivididas em dois
grupos de Teorias Tridimensionais, quais sejam, oTridimensionalismo Abstrato ou
Genrico e o Tridimensionalismo Especfico.
Como a correlao essencial entre os elementos fato, valor e normano foi
percebida de plano pelos filsofos do direito e pelos juristasmesmos, existem
determinadas formas de Tridimensionalismo que privilegiam um ououtro aspecto,
reduzindo o Direito dimenso de fato ou valor ou norma.
Essas Teorias Reducionistas ou Monistas, que buscam explicar arealidade
jurdica com base em apenas um dos elementos essenciais so oSociologismo Jurdico,
o Normativismo Lgico de Hans Kelsen e o Moralismo Jurdico.
O Sociologismo Jurdico8 considera o Direito de forma dominante,quando no
exclusiva, sob a ptica do fato social. O exagero tanto maisperceptvel quanto mais se
nega autonomia ao Direito, considerado como simples mecanismo dedeciso alimentado
pelos socilogos.
Miguel Reale ensinar que no aceitvel a explicao monsticasociolgica,
uma vez que o exagero de alguns fatores sociais no responsvelpela primazia na
produo de fenmenos polticos ou jurdicos. Exemplo disso seria ofenmeno
econmico que, apesar de influir diretamente na construo doDireito e da Poltica
7 CUNHA, Paulo Ferreira da; et al. Histria do direito: dodireito romano constituio europeia, p. 128. Observe-se, consoantelio referida, que a gnese da palavra lex, legis e legitimidade,podem referir-se palavra legere, ler. Mais do que eligere,escolher, que representa um voluntarismo, uma arbitrariedade dequem escolhe, ler significaria a lei que l a realidade buscandoconformar-se com ela, com sua natureza profunda e valorativa. Comodiz o autor, uma lei(...)que l, ela prpria no grande livro do mundoe da sociedade, s uma lei assim te ma dignidade letrada deconstituir uma interpretao(...). 8 REALE, Miguel. Filosofia dodireito, p. 434 e ss.
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tambm por estes regulado.
A vida jurdica, como fenmeno cultural, est sempre permeada dediversos
fatores sociais.9 Qualquer um a que seja dado relevoexcepcional, haver erro. So
expoentes do Sociologismo Jurdico no Brasil, segundo MiguelReale, Tobias Barreto,
Slvio Romero, Pedro Lessa, Pontes de Miranda, para quem ojurista pressupe o
socilogo, entre outros.
O Normativismo Lgico de Hans Kelsen, por sua vez, surgiu em umaespecial
conjuntura na segunda metade do sculo XX. Cercado por diversasdisciplinas que
pretendiam tomar o Direito para si, como a Economia, Sociologia,Psicologia e Poltica,
Kelsen insurge como aquele que se prope a livr-lo de todoassalto metajurdico,
excluindo do campo cientfico do Direito diversos problemas quereconhece legtimos em
outros campos nas disciplinas mencionadas. Teoria Pura doDireito, Miguel Reale
reputa-a uma teoria rigorosamente travada,10 abstrata ea-histrica.
Embora isso, reconhecido que os contributos essenciais daspesquisas do
Mestre de Viena determinaram muito melhor a natureza lgica danorma jurdica. Assim
sendo, no apenas as leis promulgadas e publicadas pelo Estado seenquadravam como
norma, mas tambm as normas fundamentais das Constituies,preceitos contratuais e
sentenas de mrito tambm so categorizadas como normas. O Direito, portanto, um
sistema escalonado de normas que atribuem sentido objetivo aosatos de vontade
(portanto, situam-se no plano do dever-ser), apoiando-se umasnas outras, formando um
todo coerente, dependendo de uma norma hipottica fundamental queconfere suporte
lgico ao sistema.
Assim sendo, Cincia Jurdica uma cincia do dever-ser; suanatureza
puramente normativa (o que mudar com o passar dos anos). Pormeio do Princpio da
Imputabilidade, atribui-se uma consequncia jurdica prtica dedeterminada conduta.
Isso no quer dizer que exista um imperativo normativo: por meioda Imputabilidade a
sano indicativa e exclui-se qualquer referncia a valores moraisou polticos. Os fatos,
por seu turno, so regulados secundariamente pela norma queprescreve o
comportamento, mas sua materialidade pouco importa: no denatureza jurdica.
9 REALE, Miguel. Filosofia do direito, p. 436 10 Idem, p.457.
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Vale ressaltar que, na obra de Kelsen, assumir grande importnciaa questo do
Poder como elemento essencial no processo de criao do Direito.Desse modo, norma
ser aquela posta no curso de um processo jurdico por indivduoslegitimados para tanto.
O professor Miguel Reale entende11 que, com o passar dos anos,Kelsen
abandonar a posio lgica-transcendental em favor de uma maisflexvel concepo de
imperatividade, justamente por considerar o Poder como elementoessencial criao do
Direito por meio dos agentes competentes e regularmenteinvestidos, pouco importa se
em um processo democrtico ou no. Analisando cada vez mais aprxis jurdica, haveria
o contedo axiolgico ser absorvido pelo momento lgico-normativo.Para Miguel Reale,
vale dizer que Hans Kelsen relativiza todos os valores,considerando-os equivalentes
haver a um Tridimensionalismo implcito. Ao Direito resta, comoorganizador social e
coordenador de processos coercitivos, tornar respeitadas asnormas impostas pela
ideologia dominante.
O Moralismo Jurdico,12 representante monista que enfatiza ovalor, ter
representantes que compreendem a juridicidade no somente em razode subordinaes
a um sistema de normas, mas em razo de seu contedo. Consideram,esses juristas, a
licitude ou a ilicitude moral da conduta proibida ou prescrita,vinculando Direito e Moral
de modo absoluto. Os Moralistas aproximar-se-iam dosnormativistas-lgicos porque
tambm concebem a norma como expresso do dever-ser. Por outrolado, e em oposio
a estes, sem obrigar a norma em conscincia, sem ordenar-se afins como a prpria
acepo de regra confirma, h de ser forma vazia, desprovida dejuridicidade.
O dever-ser no moralismo jurdico resulta dos fins a que o homemse prope
colimar e, portanto, estes fins devem resistir aos fatos queprocuraro, vez ou outra,
desconstitu-los, inclusive quando, por fora destes, tornarem-seas normas obsoletas.
Apresenta grande vinculao a Princpios e estriba-se emensinamentos clssicos.
Representantes so, por exemplo, Viktor Cathrein, um expoente daconcepo
tomista do Direito Natural, para quem a vigncia da norma deverespeitar um mnimo e
um mximo de fundamento moral concepo tomista seguida no Brasilpor nomes como
Jos Pedro Galvo de Souza, Joo Mendes Jr., Vicente Ro. Aindaexemplo, Georges
11 REALE, Miguel. Filosofia do direito, p. 472 e ss. 12 Idem, p.481 e ss.
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Ripert que, consoante Miguel Reale,13 afirma que o Direito devebuscar a realizar a Justia
e a ideia do Justo uma ideia moral.
2.1. O tridimensionalismo abstrato ou genrico
O Tridimensionalismo Genrico ou Abstrato14 aquele que procuraharmonizar
os resultados decorrentes dos estudos das Teorias Monistasapresentadas: Sociologismo,
Normativismo e Moralismo Jurdicos.
Temos como primeiro representante de um TridimensionalismoAbstrato que
procura superar a anttese entre valor e realidade atravs dacultura, incluindo nela o
Direito, estudado ento, sob trs aspectos: como realidadeimpregnada de significaes
normativas objetivas (objeto da Cincia Jurdica), como fatosocial (objeto da sociologia
Jurdica) ou como valores ou significaes (objeto da Filosofia doDireito).
Gustav Radbruch tambm desponta como expoente doTridimensionalismo
abstrato, inovando com a categoria de juzos referidos a valores,em adio querela de
natureza (juzo de existncia) e ideal (juzo de valor). Com isso,quer dizer que a ideia de
Direito um valor, mas o Direito em si no um valor, mas umarealidade referida a
valores, em outras palavras: um fato cultural.
A essa interpretao, que denomina Trialismo, determina que sepode encarar o
Direito com Teorias Jurdicas, Filosficas ou Sociolgicas, adepender da atitude com
que se aproxima do objeto de estudo. Como Cincia, quandoestudioso refere as
realidades jurdicas a valores, considerando o direito como fatocultural; pode-se encarar
o Direito com a atitude da Filosofia do Direito, que valorativae considera o Direito
como um valor de cultura; e existe ainda a possibilidade de umaFilosofia Religiosa do
Direito, atitude que visa superao de valores; e existe, ainda, apossibilidade de uma
atitude no-valorativa, correspondente Sociologia do Direito,Histria do Direito e
Direito Comparado.
2.2. O tridimensionalismo especfico de Miguel Reale
13 REALE, Miguel. Filosofia do direito, p. 487. 14 Idem, p.514.
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O grande problema das teorias tridimensionais genricas que,embora
repudiem os monismos, no combinam aqueles trs elementosnecessrios de Fato, Valor
e Norma: quando muito, unem perspectivas diferentes, somandoproblemas.
Segundo Miguel Reale,15 a Teoria Tridimensional do Direito s seaperfeioa
quando, de maneira precisa, entende-se a interdependncia ecorrelao necessria de
fato, valor e norma que compem o fenmeno do Direito como umaestrutura social
necessariamente axiolgico-normativa.
Na ptica tridimensional fato, valor e norma so dimensesessenciais do
direito, o qual , desse modo, insuscetvel de ser partido emfatias, sob pena de
comprometer-se a natureza especificamente jurdica dapesquisa.16
buscada a unidade do fenmeno jurdico, no planohistrico-cultural, sem o
emprego das Teorias Reducionistas ou Monistas vistas, queapartariam os elementos do
fenmeno jurdico.
Miguel Reale se props a examinar aspectos relacionados cincia dodireito,
indo alm dos estudos filosficos. De acordo com seu pensamento,se fazia necessrio
superar as vises limitadas at ento seguidas para o estudo dofenmeno jurdico.
Aos olhos do mestre paulista, as solues estabelecidas pelatcnica e pela
cincia jurdica eram ineficazes, j que moldadas no individualismoeconmico e nas
categorias jurdicas fundadas na autonomia da vontade. Existia umconflito entre o fato e
a norma.17
Dessa forma, foi formulada uma construo cientfica do Direito,com base na
integralidade do fenmeno jurdico, com o escopo de realizar umadescrio objetiva dos
elementos da juridicidade. empregado para tanto um mtodo prprio.O objetivo
afastar as vises unilaterais anteriores18 para, desta forma, osestudos empricos sobre
sistemas jurdicos positivos serem melhor aparelhados.19
Consequentemente, o processo de compreenso e explicao dofenmeno
15 REALE, Miguel. Filosofia do direito, p. 539. 16 REALE,Miguel. Estruturas fundamentais do conhecimento jurdico. O Direitocomo experincia, p. 59. 17 Idem, p. 38. 18 Idem, pp. 93-111. 19Idem, p. 57.
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jurdico seria dotado de unidade, podendo e devendo cada um dosmomentos da
experincia jurdica ser objeto de estudo, em correlao ou implicaocom os demais, j
que nenhum deles poderia ter qualificao jurdica erradicado ouabstrado que fosse
daquela totalidade a que pertence.20
Consoante Miguel Reale:
A jurisprudncia ou cincia do direito dialtica e concretamentenormativa,
assim como o jurista como tal, s pode pensar sub specieregulativa,
subordinando fatos e valoraes medida integrante que se contm nasregras
de direito. Cada norma jurdica, considerada em si mesma,constitui uma
integrao racional de fatos e valores, tal como se aperfeioagraas
mediao do poder, o qual lhe assegura vigncia nas conjunturasespcio-
temporais. Quando o poder social ou o poder estatal, em virtudede seu ato
decisrio, aperfeioa o nascimento de uma norma costumeira oulegal, uma
certa ordem de valores resulta consagrada, tornando-seobrigatria: a norma
no , assim, um objeto ideal, mas uma realidade cultural,inseparvel das
circunstncias de fato e do complexo de estimativas quecondicionam o seu
surgir e o seu desenvolvimento, a sua vigncia e, luz desta, asua eficcia.21
Busca-se, portanto, a partir do emprego de um Tridimensionalismoespecfico,
estudar o direito concreto, aproximando a filosofia e a cinciado direito, com o escopo
de que os conhecimentos produzidos pelas duas reas possam sercompartilhados. A
finalidade precpua desenvolver uma rota para alcanar osprogressos culturais do
homem.22
O jurista, para melhor compreender determinado conceito, deverrecorrer s
construes transcendentais elaboradas pela Filosofia Jurdica. Adimenso concreta e
histrica da experincia jurdica e da norma dever serconsiderada.
Assim, a teoria tridimensionalista do direito, conforme pensadapor Miguel
Reale, concebe que o direito possui os mesmos trs elementosformadores (fato, valor e
norma), sendo certo que estes so indissociveis e irredutveis umao outro,
correlacionando-se necessariamente, de forma unitria (o quediferencia dos
tridimensionalismos abstratos ou genricos) e concreta (quediferencia de um suposto
20 REALE, Miguel. Estruturas fundamentais do conhecimentojurdico. O Direito como experincia, p. 59. 21 Idem, p. 61. 22 Idem,p. 82.
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idealismo) em toda anlise do fenmeno do Direito.
2.2.1. Fato, valor e norma no tridimensionalismo especfico
Fato o conjunto de circunstncias que rodeiam o ser humano.23Decorrem da
natureza ou do agir humano, e geram consequncias queinfluenciaro outras aes
humanas, em maior ou menor intensidade.
J os valores, representam a definio conferida pelos sereshumanos, que varia
conforme poca e local.24 Derivam de uma anlise particular, daqual deriva reao de
aprovao ou desaprovao. Do processo de valorao emerge uma tbua devalores,
compartilhada entre os seres humanos pertencentes a determinadacultura.
Miguel Reale dedica amplo espao em sua obra de Filosofia doDireito para
pontuar a questo do Valor. O tema tratado na Teoria dosObjetos,25 parte central da
Ontologia Jurdica.26 Os Valores fazem parte dos objetos ideaisdo conhecimento, vez
que possuem ser porm so a-espaciais e atemporais. A despeitodisso, os valores valem
em relao a coisas valiosas estas podem ser medidas equantificadas, mas os valores
no.
Ento o que so valores? Miguel Reale diz que impossvel definirvalor
segundo uma exigncia lgico-formal. O que se pode dizer que osvalores so enquanto
valem. O ser do Valor valer. Porque uma categoria primordial, aexemplo de ser (ou
se ou no-), assim deve ser considerado. Ou se v algo enquanto ouenquanto vale, e
porque valem devem-ser.27
O Valor tem caractersticas28 precisas importantes que devem serlembradas:
bipolaridade, implicao, referibilidade, preferibilidade,incomensurabilidade,
graduao hierrquica, objetividade, historicidade einexauribilidade.
Um Valor sempre bipolar porque a ele se contrape um desvalor;caracteriza-
23 REALE, Miguel. Filosofia do direito, p. 553. 24 FERRAZJUNIOR, Trcio Sampaio. Introduo ao estudo do direito: tcnica,deciso, dominao, p. 65. 25 REALE, Miguel. Op. cit, p. 175. 26 AOntologia Jurdica trata daquilo que pode ser posto como objeto deconhecimento. Refere-se s estruturas ou formas dos objetos a seremconhecidos. 27 REALE, Miguel. Op. cit, p. 189. 28 Idem, p. 189.
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12
se pela implicao porque influi na realizao dos demais e, almdisso, faz com que os
homens dedicados a um valor queiram compartilhar com os outros;a referibilidade,
enquanto caracterstica, quer dizer que os valores so enquantodevem ser, ou sejam,
possuem um sentido de orientao; fazendo com que os homens tomemposio e
orientam seu modo de agir, suas condutas portanto, com relao aosfatos do mundo com
base nos valores que possuem, diz-se que se caracterizam pelapreferibilidade; ao fim,
toda sociedade, num determinado tempo selecionado, possui umatbua de valores onde
os gradua e ordena conforma as preferencias, sendo caractersticado Valor sua
possibilidade de gradao hierrquica.
Conforme apontado por Celso Lafer, os valores referem-serealidade, mas a
ela no se reduzem, pois para Miguel Reale, tm um significado queaponta para uma
direo de dever-ser das condutas humanas.29
Diversas teorias se propem a explicar os valores. A Teoria deescolha para a
interpretao do problema dos valores na Teoria Tridimensional doDireito de Miguel
Reale a Teoria Histrico-Cultural dos Valores. A TeoriaHistrico-Cultural dos Valores:
(...) caracteriza-se pela impossibilidade de compreender asquestes sobre o
valor fora do mbito da histria, sendo esta a realizao devalores, a projeo
do esprito sobre a natureza, visto dever-se procurar auniversalidade do ideal
tico com base na experincia histrica e no com abstrao dela.30
Com base nessa teoria, Miguel Reale afirma que os valoresdecorrem da projeo
do esprito humano sobre a natureza, modificando-aessencialmente, em interao com
os demais seres humanos. A essa capacidade de subordinar anatureza por meio do esprito
e direcion-la a seus fins de escolha, Miguel Reale denominaPoder Nomottico do
Esprito. Esse um elemento de fora resulta da tomada deconscincia do esprito do
valor de si mesmo.
Desse modo, os valores obrigam porque representam o homem mesmo,como
autoconscincia espiritual.
Existe atitude valorativa subjetiva, consubstanciada na conclusodo que cada
pessoa considera como correto ou incorreto. Tambm h atitudevalorativa objetiva,
29 LAFER, Celso. A legitimidade na correlao direito e poder: umaleitura do tema inspirado no tridimensionalismo jurdico de MiguelReale. Miguel Reale: estudos em homenagem a seus 90 anos, p. 99. 30REALE, Miguel. Filosofia do direito, p. 204.
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consistente na interpretao da realidade ftica, conforme prismasde valor, cujo objetivo
situar ou determinar algo em funo de suas objetivas conexes desentido.31 O
fenmeno jurdico informado pela valorao objetiva aquidescrita.
Consoante Miguel Reale, a dignidade humana o valor que funda aordem
jurdica. A partir da conscincia de sua existncia, outros valoresso estipulados pelo ser
humano, qualificando atos e fatos, o que possibilita a construodo mundo da cultura.32
Deste modo, mesmo admitindo que tais valores possam se modificarno transcorrer dos
tempos, verdade que sempre decorrero dessa autoconscinciarelativa a dignidade do
ser humano.
Por outro lado, importante ressaltar que valor no se confundecom vontade e
sim da qualificao de comportamentos luz de uma qualificaoaxiolgica
(imperativismo axiolgico). Este processo resultante daestabilizao cultural.33
Consequentemente, a norma medida que integra o fato aovalor.
2.2.2. A questo do poder na nomognese jurdica
Avanando, e partindo-se dos trs elementos essenciais compreensodo
fenmeno do Direito, relevante examinar de que modo a normajurdica surge e
constituda. Este processo chamado por Miguel Reale denomognese.34
A norma jurdica no resulta diretamente dos fatos, j que sodependentes da
valorao realizada pelo homem em sociedade. Todo fato secorrelaciona com um ou
mais valores.35 A partir disso, um destes valores escolhido pelopoder, originando a
norma jurdica.
O ato de deciso uma caracterstica importante da nomognesejurdica. O
poder que estabelece este ato institudo constitucionalmente(norma legal) ou pela
prpria sociedade (norma costumeira).36
31 REALE, Miguel. O direito como experincia, p. 117. 32 REALE,Miguel. Filosofia do direito, p. 211-214. 33 REALE, Miguel. Odireito como experincia, p. 223. 34 Idem, p. 192. 35 Idem, p. 129.36 Idem, p. 193.
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O ato de escolha e de deciso sempre existir. E com isso umadeterminada via
ou diretriz se tornar obrigatria, dentre as vrias existentes epossveis, no campo das
implicaes ftico-axiolgicas prprias de cada conjuntura histrica.Ademais, este ato
decisrio coloca fim, ainda que momentneo, tenso ftico-axiolgica,fazendo com
que a norma a norma jurdica se apresente como modelovigente.37
A nomognese jurdica representada pela seguinte figura:
Nesta perspectiva, verifica-se que (V) um feixe de valorespossveis, incidente
sobre os fatos sociais (F). A partir de ento, os valores sorefratados, dando origem a
diversas possibilidades de solues normativas. Finalmente, apenasuma delas ser
escolhida pelo Poder (P), convertendo-se em norma jurdica(N).
Para melhor esclarecer o modelo axiolgico representado acima,tome-se como
exemplo uma norma jurdica sobre a violncia domstica e familiarcontra a mulher.
Diante de um complexo de valores (V) como a dignidade da pessoahumana,
proteo vida e integridade fsica e psicolgica, tutela dignidadesexual, tutela ao
patrimnio, proteo constitucional da famlia, proteo aos filhos,dentre diversos
outros, h um quadro ftico (F) de que mulheres so vtimas deviolncia domstica e
familiar.
Surgem, ento, solues normativas possveis, como por exemplo:
- criar ou no um conjunto de normas especfico para proteger amulher;
- prever ou no polticas pblicas para a preveno;
37 REALE, Miguel. O direito como experincia, pp. 133 e 196.
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- tipificar ou no a violncia domstica;
- possibilitar ou no a realizao de priso em flagrante delito e adecretao da
priso preventiva, dentre outros aspectos.
Com a interferncia do Poder Legislativo, optou-se concretamenteem positivar
a Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006, consistente no conjunto denormas protetivas
mulher, com foco importante na preveno, prevendo a implantao depolticas pblicas
pelos entes federativos, assim como tipificando a violnciadomstica e possibilitando a
realizao de priso em flagrante delito e a decretao de prisopreventiva, nas hipteses
legais.
Com base nisso, elabora-se uma Exposio de Motivos38 que, como onome j
diz, expe as razes pelas quais o complexo ftico de violnciadomstica deve ser
avaliado segundo determinados valores e, assim, solicita-se aoPoder que escolha a norma
e d a ela promulgao, publicao e vigncia positiva no ordenamentojurdico.
Pode-se perceber a integrao de todos os trs elementos essenciaisda anlise
do fenmeno do Direito em ao, no apenas um ou outro. A sinergiade fato, valor e
norma est claramente presente na lei e demonstrada na exposio demotivos.
Miguel Reale assinala que toda norma jurdica:
1) um momento conclusivo, mas em um dado campo, visto achar-seinserida
em um processus sempre aberto supervenincia de novo fatos enovas valoraes;
2) no tem significao em si mesma, como uma expresso matemtica,ou seja,
abstrada da experincia (normativismo abstrato), mas vale nafuncionalidade dos
momentos que condicionam a sua eficcia (normativismoconcreto);
3) envolve uma prvia tomada de posio opcional, ou seja, umadeciso por
parte do poder, quer se trate de um rgo constitucionalmentepredisposto emanao
das regras de direito, quer se trate do poder difuso do corposocial, como acontece na
hiptese das normas jurdicas consuetudinrias.39
A norma jurdica se refere de modo permanente ao plano ftico evalorativo, no
38 Com relao ao tema da Violncia Domstica, sugere-se a leiturada EM n 016 SPM/PR, de 16 de novembro de 2004, encaminhadaPresidncia da Repblica juntamente com o Projeto de Lei de quetrata. Desta exposio fez-se apertada sntese nas linhas acima. 39REALE, Miguel. O direito como experincia, p. 210.
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pode ser interpretada e aplicada como mera proposio lgica.40
Por outro lado, Miguel Reale assinalou que a relao entre fatos evalores, que
implica no surgimento da norma jurdica, no constitui uma snteseconclusiva e final.
Existe uma contnua tenso entre estes trs elementos.
Esta tenso se verifica no transcorrer da histria, sofrendoinfluncia social e
poltica. Sendo assim, um elemento no se reduz ao outro e tambmum deles no poder
ser compreendido sem o outro. Trata-se da dialtica da implicao epolaridade.
Alm disso, de acordo com Trcio Sampaio Ferraz Jnior, aestrutura
dinmica, toda positivao desencadeia, a partir dela, novas opesnormativas (novas
unidades integradas) e, por conseguinte, novos conflitos, dondeum processo contnuo de
positivaes.41
Por via de consequncia, necessrio esclarecer que a norma jurdicacriada
para reger atos futuros. Ou seja, a sua criao remonta a umdeterminado perodo
histrico, com caractersticas prprias, no plano poltico,valorativo e cultural.
Porm, se destina a normatizar fatos futuros, razo pela qual nopodem ser
aplicados os mtodos das cincias naturais. E nesta perspectiva,aps a criao da norma,
outros valores sero incidentes, dando origem a uma novacompreenso normativa.42
A respeito da dialtica o prprio Miguel Reale, em texto que servede base para
as observaes a seguir,43 adverte-nos de que de Plato aAristteles, dos esticos a Sartre,
passando por Hegel e Marx, a palavra dialtica teria as maiscontrastantes acepes, ora
entendida como forma de conhecimento da verdade, ora como aprpria filosofia ou a
lgica, sem se esquecer a posio de Kant que a considera ainvestigao da aparncia,
uma vez afastada a hiptese de significar algo de certo para arazo.
possvel, ainda assim, explicar a continuidade de seu emprego aose falar em
dialtica poltica, histrica, existencial, da conduta, ou donegativo. Pois bem, diz Reale,
no mais das vezes, dialtica, genericamente, quer dizer processode ideias ou de princpios
que se contrapem a respeito de determinado tema. No fundo, ofulcro de seu
40 REALE, Miguel. O direito como experincia, p. 210. 41 FERRAZJNIOR, Tercio Sampaio. Miguel Reale: o filsofo da teoriatridimensional do direito. Revista brasileira de filosofia, vol.LV, fasc. 222, p. 204. 42 REALE, Miguel. O direito como experincia,p. 61. 43 REALE, Miguel. Variaes sobre a dialtica.
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entendimento a concordia/discordans que nos faz vislumbrar umaverdade ou uma
conjetura em seu processo de realizao.
Pouco importa que seus debates no culminem no encontro daverdade, porque
o que nela essencialmente interessa so as perspectivasconflitantes na busca do
verdadeiro.
No h muito tempo, pela influncia dominante da ideologiamarxista, a dialtica
era tida como a forma de conhecimento por excelncia, sobretudonos domnios das
chamadas cincias humanas.
E por dialtica se entendia a da linha de Hegel, como contraposioentre uma
tese e uma anttese, de cuja oposio surgiria, como terceirotermo, uma sntese, expresso
compreensiva da verdade almejada.
Como que, depois, essa sntese pode evoluir para novas teses eantteses em
conflito, preservando o contnuo progresso da ideia e darealidade, numa dade
inscindvel, o que os filsofos marxistas jamais souberamexplicar. Isso no obstante,
h autores que perseveram na convico de que sem sntese superadorada contradio
no haveria como falar em dialtica.
Em seu livro Experincia e Cultura, Reale refere-se a diversasformas de
dialtica diferentes do modelo hegeliano ou marxista, formasessas que culminam, por
assim dizer, em snteses abertas, que representam, no osuperamento da contradio, mas
a correlao tensional entre elementos contrrios.
Dentre esses tipos de dialtica no hegeliana merece destaque achamada
dialtica de complementaridade, que o desenvolvimento do princpiode
complementaridade afirmado por Niels Bohr no campo da fsica. Oprincpio de
complementaridade foi apresentado pelo fsico dinamarqus NielsBohr, tendo por fim
superar o conflito surgido na Fsica entre a teoria corpuscular ea teoria ondulatria da
luz.
A seu ver, no haveria possibilidade de reduzir uma teoria outra,e muito menos
de ascender a uma sntese superadora de ambas. O que nos cabefazer reconhecer que
as duas lembradas teorias subsistem uma ao lado da outra, ou,por melhor dizer, em mtua
correlao, como teorias distintas e complementares.
Essa colocao do problema da natureza da luz segundo doisdistintos pontos
de vista que complementarmente se exigem e se completam seria anica em condio de
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conciliar a teoria da relatividade de Einstein com a dos quantade ao de Plank e o
princpio de indeterminao de Heisenberg. Foi o fsico francs Louisde Boglie quem
mais profundamente concluiu pela extenso do princpio decomplementaridade a todos
os domnios das cincias e mesmo da Filosofia.
Vale a pena transcrever, embora longo o pronunciamento deBroglie nestes
termos:
A dupla natureza corpuscular e ondulatria que tivemos deatribuir aos
elementos da matria levou-nos a pensar que uma mesma realidadese nos
pode apresentar sob dois aspectos, que, a princpio, pareciamirreconciliveis,
mas que, na realidade, nunca se encontram em conflito direto. Defato, quando
um desses aspectos se patenteia, o outro esvai-se exatamente namedida
necessria para que uma flagrante contradio possa sempre serevitada. (...)
Qualquer que seja o valor que se deva atribuir a tais extensesdo conceito de
complementaridade, no resta dvida de que esse conceito , em simesmo, de
grande importncia, e parece susceptvel de abrir horizontescompletamente
novos reflexo filosfica.
Por fora do princpio de complementaridade, opera-se um raciocniodialtico,
tambm denominado dialtica de implicao e polaridade, segundo aqual os elementos
em contraste no se fundem, mas, ao contrrio, se correlacionam,mantendo-se distintos.
a dialtica de complementaridade aplicvel no mundo jurdico,sendo, a meu
ver, a norma o enunciado resultante da correlao fato-valor, ouseja, da causalidade
factual em contraposio causalidade axiolgica ou motivacional,conforme dizer de
Edmund Husserl.
De acordo com a Teoria Tridimensional do Direito, no h normalegal sem a
motivao axiolgica dos fatos sobre os quais os valores incidem.Da a compreenso da
norma jurdica como elemento integrante da relaoftico-valorativa. No demais
lembrar que s surgiu a citada teoria quando se reconheceu quefato, valor e norma se
dialetizam de maneira complementar.
Da a necessidade de ser a norma jurdica sempre objeto deinterpretao, no
como um objeto ideal como se fosse uma assero lgico-sinttica ,mas sim como um
enunciado em necessria correlao com a base ftico-axiolgica. arazo pela qual
Reale distingue o normativismo jurdico concreto do normativismopuro de Hans
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Kelsen.
3. CONCLUSO
Ao fim e ao cabo, cabe ressaltar a atualidade da posio de MiguelReale e a sua
importantssima utilidade na interpretao do fenmeno do Direito.Trata-se de uma
teoria to completa e que abarca o fenmeno a que se prope estudarde maneira to
integrativa, que parece restar pouco a se observar.
Parece til dizer, entretanto, que a Teoria Tridimensional doDireito, considerada
no aspecto do Poder enquanto poder de deciso juridicamenteordenado e garantido pelo
Estado, possuidor do monoplio do uso da coero, pode,observando-se que as fontes do
Direito, segundo o mesmo professor Miguel Reale,44 so processosou meios em virtude
dos quais as regras de Direito se positivam com legtima foraobrigatria (vigncia e
eficcia) no contexto de uma estrutura normativa, considerar adeciso judicial, os
precedentes e a jurisprudncia (entendida como as decisesreiteradas num determinado
sentido), tambm no mbito da Teoria Tridimensional doDireito.
importante observar a relevncia jurdica que goza ajurisprudncia
hodiernamente, porque se verdade que o Direito experincia, tantomais hoje se
regulam os fatos com base em valores dos magistrados que decidemsentenciando (ou
acordando) num determinado sentido, fazendo norma para muitassituaes da vida dos
jurisdicionados. Tal relevncia da Deciso Judicial no era tonotvel na poca dos
escritos de Miguel Reale.
Com base na Teoria Tridimensional do Direito pode-se afirmar queo Acesso
Justia e a Efetividade do Direito podem usar da sua TeoriaTridimensional e submeter
as decises judiciais a seu crivo e podem ser criticadas naescolha dos valores a reger
determinada situao constantes do relatrio de uma sentena demrito ou de um acrdo
dos Tribunais.
Principalmente em uma poca em que a mdia forma grande parte daopinio
pblica e da opinio publicada, elegendo valores sociais conformequeira direcionar a um
ou outro sentido, estes podem e devem ser questionados em seuaparecimento histrico
44 REALE, Miguel. Lies preliminares de direito, pp. 139 ess.
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pela mesma Teoria Tridimensional, com vistas a sempre melhorar oacesso justia e
potencializar a efetividade do Direito.
Para isso, essencial a Teoria Tridimensional do Direito comoensina o professor
Reale: a integrao de fato, valor e norma com vistas unicidade daexperincia jurdica,
sem cortes oportunistas ou que faam uso para benefcio prprio dares publica.
REFERNCIAS
COMPARATO, Fbio Konder. tica: direito, moral e religio nomundo
moderno. 3. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2016.
CUNHA, Paulo Ferreira da; et al. Histria do direito: do direitoromano
constituio europeia. Coimbra: Almedina, 2010.
FERRAZ JNIOR, Tercio Sampaio. Miguel Reale: o filsofo dateoria
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Instituto Brasileiro de Filosofia, abr./jun., 2006.
LAFER, Celso. A legitimidade na correlao direito e poder: umaleitura do tema
inspirado no tridimensionalismo jurdico de Miguel Reale. MiguelReale: estudos em
homenagem a seus 90 anos. Urbano Zilles (coord.). Porto Alegre:Edipucrs, 2000.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. So Paulo: EditoraSaraiva, 2002.
__________________. Lies preliminares de direito. 27. ed. SoPaulo:
Saraiva, 2002.
__________________. O direito como experincia. 2. ed. So Paulo:Editora
Saraiva, 1992.